Quando Lindy Knowles relembra da sua infância nas Bahamas, uma árvore em particular serve de pano de fundo das suas melhores lembranças: o manguezal. Com uma vegetação espigada de raízes retorcidas, os manguezais vicejam em áreas de maré, incluindo a que acontece perto da casa da sua avó. Lindy aprendeu a pescar no manguezal, cujas florestas servem de lar para crustáceos e uma variedade de peixes. Ele aprendeu a nadar nas águas calmas ao redor das árvores que, com suas raízes, diminuíam o impacto das ondas do mar.
Para uma criança, os manguezais significam aventura. E para comunidades costeiras, como as das Bahamas, os manguezais significam estabilidade e proteção. Eles são um porto seguro para centenas de criaturas e ajudam a proteger as comunidades das ameaças associadas às mudanças climáticas, incluindo o agravamento das tempestades, a elevação do nível do mar e a erosão.
Atuando como se fosse um escudo natural no enfrentamento das mudanças climáticas, os manguezais também são importantes para quem vive longe da costa. Este ecossistema tem capacidade superior em comparação com outros tipos de florestas quando se trata de armazenar carbono, e isso pode ajudar a atrasar o aquecimento do planeta.
Contudo, os manguezais estão desaparecendo. Quando Lindy, hoje com 37 anos, olha a paisagem ao seu redor ele só vê casas de praia, condomínios, hotéis e estacionamentos onde antes era tudo manguezal. A ilha de New Providence, por exemplo, perdeu cerca de 57% dessa mata nativa desde a década de 1940, principalmente para dar lugar ao desenvolvimento. Os manguezais também foram devastados por furacões. Em 2019, o furacão Dorian danificou cerca de 73% dos manguezais na Grande Bahamas e 40% nas ilhas Abaco. E o que acontece nas Bahamas não é exceção – os estudos indicam que entre 1980 e 2000, pelo menos 35% dos manguezais do mundo haviam sido destruídos.
Lindy está tentando mudar este quadro, uma muda de cada vez. Seu amor pelos manguezais o levou a seguir carreira como oficial sênior de ciências no Bahamas National Trust, uma organização sem fins lucrativos que administra os parques nacionais e supervisiona os esforços de conservação e restauração de áreas. Ele trabalha para proteger e reconstruir sistemas marinhos, e seu sucesso depende da ajuda dos membros da comunidade para cuidar do meio ambiente e conscientizar outras pessoas.
Lindy não está sozinho. Durante a COP26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas realizada em novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia, o presidente do Rotary International, Shekhar Mehta, anunciou que a restauração dos manguezais será um foco do trabalho ambiental do Rotary. “O impacto das mudanças climáticas é notório, basta ver a elevação do nível do mar e a ocorrência mais frequente de tornados e ciclones”, disse Shekhar. “E os manguezais, que estão na linha de frente contra as intempéries marinhas, são os primeiros e melhores defensores das comunidades costeiras tropicais. O Rotary oferece meios monetários e voluntários que fazem a diferença.”
Em junho de 2020, o Rotary fez da proteção do meio ambiente sua mais nova área de enfoque. Um objetivo em relação à proteção dos manguezais é vincular nossos clubes a organizações não-governamentais que já trabalham nesta área. O Grupo Rotary em Ação pela Sustentabilidade Ambiental (ESRAG) está coordenando os pedidos de Subsídios Globais de vários clubes que querem participar de projetos de mangue. “Sei que isto é algo que os rotarianos gostariam de fazer”, enfatizou Shekhar na COP26. “Assim, colocaremos a mão na massa.”
O botânico Christopher Puttock, do Rotary Club de College Park, EUA, tem profundo apreço pelos manguezais. Ele presidiu o ESRAG em 2019-21 e agora lidera a divisão de projetos deste grupo. Christopher começou a pesquisar este tipo de flora no início da sua carreira, quando trabalhava na Universidade de New South Wales, em Sidney, na Austrália. Existem cerca de 70 espécies de manguezais que crescem em áreas tropicais e subtropicais, como África, Sul da Ásia, Austrália e América do Sul, sendo que o maior sistema de manguezais do mundo é o Sundarbans, no Delta do Ganges, que abrange Índia e Bangladesh. Nos Estados Unidos, as maiores concentrações de manguezais estão no sul da Flórida, onde se pode navegar pelos túneis de mangue que pontilham as costas do Golfo do México e do Oceano Atlântico.
Christopher diz que as ameaças aos manguezais são inúmeras. É comum um mangue ser transformado em criadouro de camarão. Eles são frequentemente derrubados para dar lugar ao desenvolvimento agrícola e industrial, ou simplesmente para virar lenha e materiais de construção. Outro agravante é o mercado imobiliário, que trabalha cada vez mais para satisfazer os turistas e as pessoas que querem morar perto da costa, colocando mais pressão neste habitat.
Os mangues são únicos não apenas pela aparência diferente das suas árvores, com parte das raízes expostas, mas também por sua capacidade de sobreviver em condições quentes, com água salgada e solo lamacento. Christopher diz que as plantas parecem estar tentando sair da água. “As plantas literalmente estão tentando sair da água salgada. Neste processo as suas raízes prendem areia, argila, lodo e lama, constituindo uma barreira natural contra a erosão.”
Lindy conhece o poder do mangue. As Bahamas são uma cadeia vulnerável de ilhas, portanto, as raízes das árvores e das plantas em geral têm papel vital para a nação. Em 2016, quando o furacão Matthew varreu o Caribe, Lindy viu o impacto de uma tempestade que atravessou o Parque Nacional Bonefish Pond. A onda foi de quase 2 metros de altura e forte o suficiente para levantar um pavilhão do tamanho de uma sala de aula das suas estacas e mover toda a estrutura. Graças ao bosque de mangue, as terras agrícolas atrás do parque não foram atingidas.
E não podemos deixar de mencionar que o mangue consegue armazenar carbono. Os manguezais existem em cima de pântanos de turfa, que são como montes de lama que vêm se acumulando há séculos. As criaturas que vivem na água e na lama, como vermes, camarões, lagostas e peixes, levam as folhas e os detritos do mangue, que absorvem o carbono, para dentro da lama e da areia. Lá, essa matéria fica coberta por um tipo de abóbada natural.
O professor Martin Zimmer lidera o grupo de trabalho ecológico de manguezais no Centro Leibniz de Pesquisa Marinha Tropical em Bremen, na Alemanha. Por trabalhar há décadas com ecologia costeira, Martin quer transmitir a mais pessoas o seu entusiasmo e encanto pelos manguezais. “Eles são o mais belo e fascinante ecossistema que conheço”, garante.
Martin reflete poeticamente sobre as manhãs passadas em área de mangue. “Há uma névoa que encobre este mundo emaranhado, e as árvores densas com raízes expostas estão por todo lado.” Este ecossistema produz um som muito específico e tranquilo – como um estalar – enquanto as ondas deslizam sobre as tocas de caranguejo e sedimentos. É a trilha sonora da natureza estabilizando o meio ambiente.”
Quando a gente considera todos os benefícios, não é surpresa que haja um movimento para a restauração dos manguezais. Mas, como adverte Christopher, esses esforços devem ser coordenados e baseados na ciência para serem sustentáveis. Em outras palavras, esta não é uma situação em que todos, em todos os lugares, devem intervir e sair plantando mangues onde desejam. “Quando estamos apenas andando por aí, coletando mudas e pensando que elas podem ser colocadas em qualquer tipo de lama de qualquer lugar, estamos fadados ao fracasso”, alerta Christopher. “Só o mangue sabe onde deve existir; nós não sabemos.”
Martin explica que as espécies certas de mangue devem ser plantadas no local apropriado, e é de suma importância que as pessoas da região apoiem a iniciativa, pois, caso contrário, o trabalho será em vão. “Há muitos exemplos de replantio de mangue que estavam em evidência na mídia, que mostravam centenas de pessoas plantando e colocando pequenas mudas na lama. E isso é muito bom, porém, depois de algumas semanas, se você visitar o local não verá nenhuma nova planta porque as sementes já teriam morrido ou sido levadas pela água, exatamente porque este não era o ambiente certo para elas.”
Martin pontua que seu objetivo não é desencorajar o plantio, mas, sim, incentivar o plantio correto, projetado em torno de objetivos de longo prazo e da adesão da comunidade. À medida que mais pessoas percebem a importância dos manguezais, as proteções aumentam, ajudando a fomentar o crescimento deste ecossistema tão importante.
Raízes do Rotary ao redor do mundo
Mesmo antes do presidente do RI, Shekhar Mehta, ter se comprometido com iniciativas de preservação de mangues na COP26, Rotary Clubs de todo o mundo já atuavam em prol dos mangues. Alguns exemplos:
Quênia. As árvores de mangue são derrubadas para obtenção da madeira. O Rotaract Club de Malindi se uniu à comunidade para o plantio de mais de 130.000 mudas de mangue, ao mesmo tempo em que esclarecia aos moradores sobre a importância dos manguezais e como sustentá-los. Os Rotary Clubs de Mombaça Nyali e Mombasa Central trabalharam em projetos de restauração de manguezais ao longo da costa da região.
Filipinas. O Rotary Club de Bacolod-Marapara participou de vários mutirões de plantio de árvores para proteger e restaurar os manguezais ao longo da costa como parte da sua iniciativa ambiental Projeto Verde. O Rotary Club de Victorias e o Rotaract Club de Marapara também participaram desses plantios.
América Samoa. O Rotary Club de Pago Pago participou do mutirão de limpeza e de plantio de mangue no Lions Park e na área de Pala Lagoon.
Ilhas Virgens Britânicas. O Rotary Club de Central Tortola firmou parcerias com agências especializadas para plantar a vegetação nativa destruída pelos furacões de 2017.
Ilhas Maurício. O Rotaract Club de Phoenix fez parceria com a organização sem fins lucrativos Reef Conservation e está cultivando sementes de mangue para distribuição local.
Quer trabalhar pelos mangues?
Cadastre seu projeto pelo app do grupo ESRAG, o iRotree, ou então pelo Project Impact Reporting. Apoie projetos ambientais por meio da Fundação Rotária e contribua pelo site rotary.org/donate.
Uma das muitas batalhas enfrentadas pelos defensores dos manguezais é convencer o público de que os pântanos não são terrenos baldios. Lindy Knowles diz que, durante décadas, os habitantes viam a área úmida agora conhecida como Parque Nacional Bonefish Pond, localizada no sul da Ilha de New Providence, como um grande terreno baldio, algo sem valor. Com 500 hectares, ele é o maior ecossistema marinho intacto da região, mas estava coberto de lixo: carros abandonados, telhas, blocos de cimento, etc. Em 2002, o governo das Bahamas tomou posse do local e estabeleceu ali um parque nacional. O Bahamas National Trust elaborou um plano de 30 anos para a área, que envolve limpeza, escavação de valas para a água passar e plantio de milhares de plantas de mangue. Com o tempo, a esperança é que as novas plantas adaptem-se tão bem a ponto de não ser possível distingui-las das mais antigas.
Lindy estima que foram retiradas umas 30 t de lixo da área. “Tiramos tanta coisa, até mesmo uma pia de cozinha!”
Sua equipe depende da assistência financeira e de voluntários de entidades sem fins lucrativos. Foi assim que o Rotary Club de East Nassau, que tem relacionamento de longa data com o Bahamas National Trust, ficou sabendo que o projeto Bonefish Pond estava em busca de voluntários. Em 2017, um representante do Bahamas National Trust conversou com o clube sobre a iniciativa de restauração já em andamento. Ansioso para ajudar em projetos ambientais, o clube participou de dois eventos de plantio com outros Rotary Clubs das Bahamas, um dos quais também incluiu rotarianos visitantes dos Estados Unidos.
Corinne Laville, que na época era presidente do Rotary Club de East Nassau, lembra-se de estar suja – e feliz – o dia inteiro enquanto abria buracos na lama para colocar lá dentro os propágulos de manguezais, que são sementes germinadas. Corinne, de 61 anos, nasceu nas Bahamas e já viu muitos mangues serem destruídos para dar lugar a moradias e resorts. Ela fica triste ao ver as faixas de praia perto da sua casa cada vez mais estreitas por causa do desenvolvimento e da erosão. Mesmo assim, sua voz transmite força e determinação. “Se não fizermos algo agora, não haverá nada para se fazer depois.”
As empresas da área, como o Resort Atlantis na vizinha Ilha Paradise, também desempenham papel relevante na restauração dos mangues. O luxuoso resort abriga um habitat marinho ao ar livre, onde tubarões, arraias e barracudas nadam em cenários naturais alinhados com manguezais. Algumas das exposições incluem viveiros, e o resort doa mudas de plantas para organizações de conservação ambiental.
Desde 2008, o resort já doou quase 3.000 plantas de mangue para projetos de restauração da área, inclusive ao Parque Nacional Bonefish Pond. “Os manguezais são cruciais para proteger as Bahamas contra tempestades e danos, além de serem extremamente vitais ao meio ambiente”, diz Dave Wert, que é diretor do aquário do Atlantis. “Esta é uma ótima maneira de retribuirmos e ajudarmos diferentes áreas das Bahamas que sofreram danos em seus habitats de manguezais.”
Lindy é grato por todo e qualquer apoio aos projetos de conservação do Bahamas National Trust. Para ele, o interesse nos manguezais trouxe mais plantios e esperança: antigamente, ele liderava um plantio de mangue por ano; desde o verão passado, ele já liderou cinco. “Não importa o quanto tentemos diferenciar o norte e o sul do globo; o planeta é um só. Todos temos que trabalhar juntos para alcançarmos sucesso.”
À medida que mais pessoas descobrem o valor dos manguezais, há espaço para um otimismo cauteloso. Nos últimos anos, a destruição na maioria das partes do mundo tem diminuído. Embora os trabalhos de restauração dos manguezais continue sendo necessário, há esperança de que a sorte esteja virando em favor dos manguezais.
Hoje, os visitantes do Parque Nacional Bonefish Pond caminham ao longo de um calçadão elevado até um riacho calmo, que é protegido por mangue. Eles se divertem em meio à beleza do lugar restaurado.
Esse é o tipo de cena que brota na mente da Corinne quando reflete sobre o seu trabalho. Ela sabe que não se trata apenas de colocar sementes na lama. “Tem tudo a ver com a preservação do planeta, para que as gerações futuras possam desfrutar do que eu desfruto.”
E Lindy cresceu com este pano de fundo, que agora está protegido para as gerações futuras. “E eis que podemos dizer que os manguezais roubaram a cena”, brinca ele.